O Sistema Plantio Direto no compasso do carbono

Por Afonso Peche Filho, pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)

O Sistema Plantio Direto no compasso do carbono
Foto: Carlos Maurício Andrade/Embrapa Acre

O sistema plantio direto (SPD) consolidou-se no Brasil como uma das mais importantes inovações em manejo agrícola das últimas décadas. Sua lógica é simples, mas profundamente transformadora: evitar o revolvimento excessivo do solo, manter cobertura permanente e adotar rotações de culturas. Essas três premissas colocam o SPD em sintonia direta com o compasso do carbono, já que atuam de forma simultânea sobre a redução das emissões, o sequestro de carbono e a conservação dos estoques já existentes.

Ao longo do tempo, a agricultura convencional demonstrou seus limites: degradação estrutural dos solos, perdas de matéria orgânica, erosão e maior vulnerabilidade às mudanças climáticas. O plantio direto surge como contraponto, oferecendo não apenas ganhos produtivos, mas também um mecanismo de gestão do carbono acessível e replicável em diferentes escalas de propriedade. No compasso do carbono, o SPD representa uma tecnologia de transição ecológica, capaz de aproximar a prática agrícola das demandas ambientais globais.

Do ponto de vista das emissões, o sistema plantio direto reduz significativamente a liberação de carbono associada ao revolvimento do solo. Cada vez que o solo é gradeado ou arado, há uma oxidação acelerada da matéria orgânica, liberando dióxido de carbono para a atmosfera. Ao minimizar essas operações, o SPD atua como barreira imediata contra emissões excessivas. Além disso, ao demandar menos operações mecanizadas, há economia de combustível e, portanto, redução da emissão de gases de efeito estufa.

No eixo do sequestro, o SPD mostra sua maior força. A manutenção da palhada e a adoção de culturas de cobertura criam um aporte contínuo de biomassa, que é incorporada ao solo ao longo do tempo. Essa dinâmica promove o acúmulo de carbono orgânico, melhora a estrutura física, favorece a agregação e estimula a atividade biológica. Rotação e consórcio de culturas, práticas inerentes ao sistema, ampliam a diversidade de raízes e aumentam a profundidade de aporte de carbono, tornando o solo uma verdadeira reserva estável de matéria orgânica.

A conservação do carbono também é beneficiada. O SPD protege o solo contra erosão hídrica e eólica, evita a degradação da camada superficial rica em carbono e reduz riscos de lixiviação. A cobertura permanente atua como escudo protetor contra variações térmicas e hídricas, garantindo maior estabilidade aos estoques de carbono. Além disso, a manutenção de agregados estáveis e a promoção da bioporosidade asseguram que o carbono seja retido em microambientes menos suscetíveis à decomposição rápida.

Por fim, há o eixo da comprovação. As propriedades que adotam o sistema plantio direto têm maior facilidade em demonstrar ganhos de carbono no solo, seja por meio de análises laboratoriais de matéria orgânica, seja pela observação de indicadores de qualidade física e biológica. O SPD pode ser comprovado como prática certificável em programas de créditos de carbono e Pagamento por Serviços Ambientais, reforçando sua relevância não apenas agronômica, mas também econômica.

É importante, contudo, refletir que o SPD não deve ser visto como prática isolada ou suficiente por si só. A experiência mostra que plantio direto mal conduzido, sem rotação de culturas, com excesso de herbicidas ou baixa diversidade de coberturas, perde grande parte de seu potencial ecológico. O compasso do carbono exige coerência e continuidade. Isso significa que o SPD deve ser planejado e executado dentro de um modelo mais amplo de gestão do carbono, que inclua registros administrativos, metas gerenciais e monitoramento técnico.

Em termos práticos, adotar o sistema plantio direto “no compasso do carbono” é reconhecer que cada hectare protegido por palhada, cada adubo verde semeado e cada revolvimento evitado representa não apenas ganho para a safra, mas também um passo na direção de um futuro agrícola mais sustentável. O SPD oferece ao agricultor um caminho de resiliência produtiva, fortalecendo o solo contra os efeitos das mudanças climáticas e abrindo portas para mercados que valorizam cadeias de baixo carbono.

Mais cedo ou mais tarde, todas as propriedades terão que se ajustar a esse compasso. O sistema plantio direto, ao unir produtividade e sustentabilidade, mostra que a agricultura pode ser parte da solução climática, transformando o carbono em aliado estratégico do campo. Cabe a cada produtor decidir se seguirá esse ritmo agora, colhendo benefícios imediatos e futuros, ou se adiará a transição, correndo o risco de ficar fora da sinfonia que já rege os rumos da agricultura no século XXI.