Pesquisadores avançam na produção de microescleródios de Trichoderma para controle de doenças do solo

Por Cristina Tordin, Embrapa Meio Ambiente

Pesquisadores avançam na produção de microescleródios de Trichoderma para controle de doenças do solo
Mark Jackson, Nilce Kobori e Gabriel Mascarin com o biorreator - Foto: Arquivo USDA ARS

Patente da Embrapa sobre uso de microescleródios de Trichoderma é aprovada

A Embrapa obteve a concessão de uma patente que descreve composições e métodos de uso de microescleródios — estruturas de resistência formadas por fungos — para o controle de doenças de plantas e promoção de crescimento vegetal. O documento, válido por 20 anos a partir de 2015 e expedido oficialmente em 11 de novembro de 2025, apresenta uma rota tecnológica capaz de transformar o uso de Trichoderma na agricultura, ampliando a eficiência e a estabilidade desses bioinsumos.

Trichoderma é um fungo do solo amplamente estudado e aplicado como agente de biocontrole no mundo inteiro. Ele atua combatendo patógenos por múltiplos mecanismos, como competição, parasitismo, produção de compostos antimicrobianos e indução de resistência nas plantas. Algumas cepas, além disso, funcionam como promotores de crescimento ao colonizar a rizosfera. Apesar de seu potencial, grande parte dos produtos comerciais ainda depende de conídios produzidos em fermentação sólida, um processo longo, caro (muito dependente de mão-de-obra e espaço físico) e de difícil automação industrial.

Gabriel Mascarin, analista da Embrapa Meio Ambiente e um dos inventores da tecnologia, explica que a patente da Embrapa introduz uma alternativa tecnológica ao revelar, pela primeira vez, a produção de microescleródios de Trichoderma por fermentação líquida submersa — algo até então descrito apenas para fungos patogênicos de plantas. Essas estruturas são altamente resistentes à dessecação, persistem no solo por longos períodos e, quando reidratadas, germinam e produzem conídios, mantendo todas as propriedades fungicidas do organismo original.

Além de Mascarin, Mark Jackson, da USDA-ARS, Peoria-IL, EUA e Nilce Kobori, consultora de desenvolvimento de bioinsumos e docente do curso de Engenharia Agronômica da Unifaj, participaram do desenvolvimento da tecnologia.

A invenção descreve composições formadas por microescleródios de diversas espécies, entre elas T. harzianum, T. asperellum, T. reesei, T. viride, T. lignorum e T. koningi. Os microescleródios podem ser incorporados a veículos agronomicamente aceitáveis para formulações líquidas ou sólidas, aplicados no solo, pulverizados, usados em tratamento de sementes ou integrados a sistemas de liberação controlada. Uma vez ativados pela umidade, eles passam a produzir conídios no ambiente, atacando fungos causadores de doenças e, em alguns casos, beneficiando o desenvolvimento das plantas.

O documento detalha ainda dois métodos de produção em larga escala: um focado exclusivamente na geração de microescleródios e outro que permite sua formação simultânea com conídios submersos. Ambos usam fermentação em meio líquido com fontes controladas de carbono e nitrogênio e podem ser operados em biorreatores aerados. Os processos permitem obter concentrações elevadas — na ordem de 10⁵ a 10⁶ microescleródios por grama de biomassa seca — com estabilidade durante o armazenamento e após a aplicação nas sementes. Em termos de rendimento de conidios submersos, concentrações acima de 1 bilhão de esporos/mL são atingidos em apenas 3-4 dias de fermentação submersa, a depender do isolado e espécie de Trichoderma

Para Mascarin, a nova tecnologia oferece uma alternativa industrialmente viável ao modelo tradicional de fermentação sólida, reduzindo tempo de produção, custo e variabilidade entre lotes. “Para o mercado de biopesticidas, representa a possibilidade de produtos mais estáveis, eficientes e adaptados ao uso em diferentes cultivos e condições ambientais. Para a agricultura, abre caminho para soluções mais sustentáveis no controle de doenças fúngicas, alinhadas à crescente demanda global por agentes biológicos confiáveis e de alto desempenho”, acredita o analista.

Pesquisas recentes demonstraram que microescleródios produzidos por diferentes espécies do fungo Trichoderma conseguem gerar hifas e conídios capazes de controlar um amplo conjunto de patógenos que atacam raízes e plântulas. Entre os organismos suprimidos estão Rhizoctonia, Sclerotinia, Fusarium, Phytophthora e Pythium, patógenos de grande importância econômica para diversas culturas agrícolas.

Os experimentos avaliaram, em condições controladas, como diferentes meios de cultura, fontes de nitrogênio, relação carbono-nitrogênio e tempos de fermentação influenciam a formação de biomassa, de conídios submersos e, principalmente, de microescleródios — estruturas altamente resistentes e essenciais para aplicações de controle biológico no solo. Para isso, foram conduzidos ensaios repetidos ao longo de vários meses, utilizando modelos estatísticos robustos para medir a significância de cada fator sobre o desempenho dos fungos.

As pesquisas utilizaram a cepa Trichoderma harzianum T-22 — conhecida comercialmente e já aplicada em bioinsumos — e outras espécies provenientes de coleções científicas. As culturas foram conduzidas em meios líquidos, com diferentes concentrações de nutrientes, e mantidas sob agitação para estimular a formação de propágulos. Os testes mostraram que microescleródios se formam principalmente em meios com alto teor de carbono e em condições específicas de relação C:N. Em vários tratamentos, o pico de produção ocorreu no quarto dia de fermentação.

Após a obtenção dos microescleródios, os pesquisadores desenvolveram um processo de secagem com terra diatomácea, resultando em um produto estável, com menos de 4% de umidade e capaz de germinar e produzir conídios mesmo após longos períodos de armazenamento sob refrigeração ou temperatura ambiente. Ensaios adicionais mostraram que esses propágulos mantêm elevada viabilidade e são capazes de gerar grande quantidade de esporos, o que os torna promissores para formulações comerciais.

Mascarin destaca que a eficácia agronômica também foi avaliada. Em testes de solo com plântulas de melão, formulações contendo microescleródios reduziram significativamente a mortalidade causada por Rhizoctonia solani, comprovando o potencial do produto para o manejo de doenças do tombamento. As análises estatísticas, incluindo modelos de sobrevivência, confirmaram diferenças claras entre os tratamentos.

Os resultados reforçam a importância dos microescleródios como alternativa tecnológica para ampliar a oferta de bioinsumos no controle de patógenos habitantes do solo. A pesquisa oferece uma base sólida para otimizar processos industriais de fermentação e para o desenvolvimento de produtos comerciais mais estáveis, eficientes e competitivos em comparação a fungicidas químicos tradicionais.

Pesquisa identifica condições ideais para produção de microescleródios de Trichoderma harzianum

A composição nutricional dos meios de cultivo mostrou forte influência na formação de microescleródios e conídios submersos do fungo Trichoderma harzianum, estruturas fundamentais para formulações de biocontrole mais estáveis e eficientes. O estudo comparou diferentes fontes de nitrogênio, razões entre carbono e nitrogênio (C:N) e períodos de fermentação, além de testes em biorreator e bioensaios com plantas.

Meios formulados com farelo de algodão apresentaram os melhores resultados, gerando microescleródios mais escuros (melanizados), compactos e abundantes a partir do quarto dia de fermentação. Já meios contendo melaço associado à caseína hidrolisada ácida não formaram microescleródios. A produção de conídios submersos também variou conforme o meio, com destaque para a combinação farelo de algodão + glicose, que resultou em altas concentrações após quatro dias. A produção de biomassa, por outro lado, foi maior em meios com melaço e caseína.

A razão C:N também se mostrou decisiva. Culturas com relação 10:1 produziram mais microescleródios no segundo dia e acumularam maior biomassa, indicando crescimento mais rápido em ambientes com maior aporte de nitrogênio. Além disso, microescleródios produzidos em meio 10:1 geraram 25% mais conídios após a reidratação, embora ambos os tipos apresentassem 100% de germinação após a secagem. Em testes de armazenamento, preparos de microescleródios do meio 10:1 tiveram melhor desempenho, apesar de variações conforme temperatura e tempo.

A pesquisa também avaliou outras espécies de Trichoderma, que foram capazes de formar microescleródios sob as mesmas condições, demonstrando a aplicabilidade do método. Após a fermentação, os propágulos foram extraídos com terra diatomácea e convertidos em grânulos secos com baixa umidade para facilitar o armazenamento e uso.

Nos bioensaios com melão, microescleródios de T. harzianum T-22 mostraram alta eficácia no controle do fungo patogênico Rhizoctonia solani, responsável pelo tombamento de plântulas. A presença do antagonista reduziu a mortalidade pós-emergência em até 100%, aumentou a germinação e favoreceu a sobrevivência das plantas. O fungo benéfico também se estabeleceu no sistema radicular, confirmando sua capacidade de colonização e proteção.

Por fim, os pesquisadores testaram a produção em biorreator de 5 litros, onde a alta aeração (1,5 L/min) e agitação intensa (600-900 rpm) resultaram em elevados rendimentos de microescleródios e conídios submersos após quatro dias. As formulações secas produzidas no biorreator geraram mais de um bilhão de conídios por grama e mantiveram 93% de viabilidade após secagem, reforçando o potencial para escalonamento industrial.