Reunião de correlação e classificação de solos propõe ações para segurança hidrológica no Paraná

Por Manuela Bergamim, Embrapa Florestas

Reunião de correlação e classificação de solos propõe ações para segurança hidrológica no Paraná
A 1ª RCCSV buscou mostrar as relações entre produção agrícola, solos, vegetação fluvial e recursos hídricos - Foto: Andrea Kodama/Embrapa

Durante sete dias intensos de imersão em áreas rurais situadas entre os municípios de Cascavel, Palotina e Guaíra do oeste paranaense, na Bacia Hidrográfica Paraná III (BHP III), um contingente de aproximadamente 100 pessoas esteve reunido para participar da 1ª Reunião de Correlação e Classificação de Solos e Vegetação Fluvial (RCCSV), ação vinculada ao projeto PronaSolos Paraná. O evento contou com a participação de profissionais de diversas áreas (extensão rural, fiscalização ambiental e agropecuária, cooperativas, setor elétrico, área jurídica, professores e pesquisadores), a sua maior parte agentes públicos estaduais. A 1ª RCCSV foi realizada em março de 2024 e buscou mostrar as relações entre produção agrícola, solos, vegetação fluvial e recursos hídricos.

O trabalho da RCCSV se concentrou na exploração e análise de cinco sequências de solos ao longo das encostas (pedossequências) que representam cinco unidades de paisagens relevantes da BHP III. Essas pedossequências representam as condições ambientais de aproximadamente 80% da região da BHPIII. Foram abordados dados e informações sobre clima, geologia, geomorfologia, pedologia, hidropedologia, manejo e conservação de solos e água, sistemas de produção agrícola, sempre finalizando cada pedossequência com as condições dos fragmentos das florestas fluviais locais (ou daquelas associadas as nascentes), mostrando a importância de se atentar para o estado de conservação desses fragmentos (tamanho e qualidade), uma vez que os mesmos são responsáveis por diferentes serviços ambientais, tais como regulação dos corpos hídricos e refúgio de fauna e flora (corredores ecológicos).  

"A 1ª RCCSV alcançou plenamente seus objetivos, representando o resultado do levantamento de solos e vegetação realizado anteriormente no PronaSolos. Quando falamos em manejo, não nos referimos apenas aos sistemas de produção, mas também à conservação e à preservação para garantir a segurança hídrica. Todo o esforço valeu a pena", relata Gustavo Curcio, pesquisador da Embrapa Florestas e um dos coordenadores do evento.

Um dos pontos cruciais abordados foi a necessidade de conciliar a produção agrícola e pecuária com a conservação e preservação dos recursos hídricos. Foi dado o alerta sobre a perda alarmante de nascentes na região (principalmente na província geomorfológica patamarizada), onde apenas um em cada cinco rios de primeira ordem permanece ativo o ano todo, “o que ressalta a urgência de medidas para a recuperação hidrológica”, aponta o pesquisador.

Segundo a pesquisadora da Embrapa Florestas Annete Bonnet, ficou evidente a premência por ações de conservação das nascentes e a necessidade de pagamento por serviços ambientais. “Os participantes se deram conta que o fator que une todos é o recurso hidrológico e este está sendo extremamente afetado pelo modo com que as propriedades estão sendo conduzidas. Mas todos reconheceram que a responsabilidade por esta situação é de toda a sociedade, e argumentaram que necessitam de capacitação, trabalho conjunto entre instituições privadas e governamentais e estímulo do produtor ao uso de práticas de conservação do solo, bem como a compensação pela conservação das nascentes, seja pelo seguro agrícola, obtenção de crédito ou pagamento de serviços ambientais, se for comprovada a preservação de cabeceiras de drenagem”, ressalta.

 

Proposição de políticas públicas

A 1ª RCCSV resultará na publicação de um livro contendo artigos técnicos e científicos que sintetizam as características da região da BHP III, sendo que o último capítulo apresentará uma síntese das discussões desenvolvidas ao longo do evento, finalizadas por propostas de políticas públicas que viabilizem uma convivência harmoniosa entre os setores produtivos e a conservação ambiental no estado do Paraná.

Um dos palestrantes do evento, Julio Franchini, pesquisador da Área de Manejo do Solo da Embrapa Soja, destacou a importância de relacionar classes de solo e o manejo mais adequado para cada uma delas. “Discutiu-se de que forma se pode trabalhar essas classes de solo pensando em fertilidade do solo, em compactação do solo, em aumento de produtividade e também entender quais são as limitações e até que ponto cada classe de solo pode permitir que se obtenha produtos importantes na área agrícola e pecuária. Além disso, a partir dessa interação, abriu-se a oportunidade para outras interações, e surgiram ideias para novos projetos de forma multidisciplinar”, diz.

Segundo Hudson Carlos Lissoni Leonardo, engenheiro doutor em ciências dos Solos e Nutrição de Plantas, da Itaipu Binacional, a diversidade e profundidade de conteúdos abordados na 1ª RCCSV permitiu ao público melhor entendimento do contexto hidrológico, com o foco na resolução de problemas. Isso porque foram discutidos temas desde a compreensão dos perfis de solos e sua distribuição espacial na paisagem, sua relação com os processos ecológicos e hidrológicos das encostas, degradação das nascentes e a influência da agropecuária nestes processos, até exemplos de sistemas de produção sustentáveis, como o sistema plantio direto com a adoção da rotação e da diversificação de culturas e os sistemas integrados (ILP, ILPF).

“Tais sistemas ora elencados permitem, portanto, conciliar produtividade e rentabilidade adequadas, com a conservação de solos, água e florestas fluviais, gerando Serviços Ambientais ou Serviços Ecossistêmicos que atendem a diferentes interesses nos recursos hídricos, abastecimento humano, agropecuária, produção de energia hidrelétrica entre outros. Traduzem, assim, a essência do conceito de Segurança Hídrica que é assegurar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade, aos diferentes usos na bacia hidrográfica”, explica.

José Gustavo de Oliveira Franco, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento e advogado da Passos de Freitas e Oliveira Franco Advocacia Ambiental, destacou a interdisciplinaridade da 1ª RCCSV e sua relevância para o avanço no conhecimento referente ao solo, manejo, vegetação, hidrologia e funcionalidades ambientais, todos no contexto da paisagem. “Entendo este trabalho ser essencial e de grande avanço diante da metodologia e amplitude adotadas, mas também diante da integração interdisciplinar e interinstitucional que creio ser sem precedentes. Sem um evento desta envergadura, pesquisas, debates, hipóteses, problemas e soluções demandariam muito mais tempo para serem identificados em trabalhos isolados. O avanço de conhecimentos científicos, mas também práticos e de aplicação direta, com atuação integrada dos diversos atores, sobressai e demonstra corresponder a um dos eventos de maior relevância para o avanço em sentido a um modelo de produção ainda mais sustentável no Estado”, enfatiza.  Franco contribui com o projeto no que concerne à parte legal ambiental, e na elaboração de Políticas Públicas. 

De acordo com Graziela Moraes de Cesare Barbosa, Iapar-Emater, a RCCSV proporcionou aos participantes um olhar para o solo inserido na paisagem. “Os agrônomos estão acostumados a analisar o solo por talhão, principalmente na sua fertilidade, sem a preocupação de entender o manejo do solo e os processos erosivos nas pendentes e formações geológicas. Essa semana de estudo alterou a visão de muitos na tomada de decisão, principalmente quanto à capacidade de uso dos solos nas províncias convexadas e patamarizadas. Esse é um trabalho inédito, multidisciplinar, que reuniu profissionais na elaboração de uma visão mais ampla a respeito de como os solos e manejos são, muitas vezes, negligenciados. É fundamental que os órgãos governamentais e a iniciativa privada trabalhem de maneira eficiente, através de iniciativas aos produtores e políticas públicas com o mesmo objetivo”, afirma.

 

Inovações e parcerias

A grande inovação do projeto PronaSolos Paraná está no processo de interagir estudos da parte produtiva da paisagem com nascentes e planícies fluviais, buscando a sustentabilidade e, por conseguinte, a qualidade ambiental da região. Além disso, o projeto PronaSolos buscou a parceria do Departamento de Solos da Universidade Federal de Lavras (UFLA) para, de forma pioneira no estado do Paraná, iniciar o uso da fluorescência de raio-x (pXRF), na análise sistemática dos solos da região. “A ferramenta pXRF, fruto da parceria com a UFLA, permite ler o teor de 48 elementos químicos, é mais de meia tabela periódica, e representa um salto para a agricultura, pois traz informações valiosas para o manejo adequado das terras”, aponta o pesquisador Gustavo Curcio.

As análises de pXRF foram realizadas nas amostras de todos os horizontes dos mais de 70 perfis de solos descritos ao longo do projeto, gerando uma base de dados que permitiu a modelagem de diversos elementos químicos e da granulometria (textura do solo), quando os resultados do pXRF foram confrontados com os resultados das análises tradicionais de solos, isso considerando o universo de solos da BHP III. Além disso, a parceria com a UFLA viabilizou que parte das amostras de horizontes diagnósticos de perfis de solos fossem analisadas pelo uso da técnica do ataque sulfúrico, análise de custo alto e que refina o conhecimento do grau de intemperismo dos solos.

Por fim, essa parceria foi ampliada com a chegada do Departamento de Solos da UFRGS, que realizou análises de difração de raios-X (DRX) de amostras das frações argila, silte e areia dos horizontes superficiais, bem como diagnósticos de todos os perfis de solos do projeto, gerando uma caracterização da mineralogia dos solos sem precedentes para um mapeamento de uma área tão ampla e com um grau de detalhamento semi-detalhado. Todos estes resultados permitirão proposições mais precisas de uso e manejo adequado por tipo de solo.

 

Abordagem integrada da paisagem

Como já descrito, a 1ª RCCSV incorporou uma abordagem integrada da paisagem, considerando aspectos como solos, geomorfologia, geologia e vegetação fluvial. Isso permite uma compreensão mais completa das dinâmicas ambientais da região e a proposição de políticas públicas mais eficazes.

A 1ª RCCSV é um marco importante no esforço para resguardar a segurança hídrica da bacia do Rio Paraná III. Ao integrar conhecimentos técnicos avançados com uma abordagem que considera a totalidade da paisagem, o evento pavimentou o caminho para ações que visam preservar e, ou, recuperar os recursos hídricos e promover um desenvolvimento sustentável na região. “O Paraná é o único estado que está fazendo levantamento de solos e vegetação para priorizar a questão de segurança hidrológica, e temos muitos resultados da interação desses dois temas. Nós temos que produzir grão, madeira, carne etc. mas temos que produzir água também, pois estamos perdendo muitas nascentes! É preciso mudar o manejo e dar atenção para a segurança hidrológica, pois na hora que acabar a qualidade da água mesmo, o que podemos fazer?”, alerta o pesquisador Gustavo Curcio.

A coordenação técnica do evento foi da Embrapa Florestas, Embrapa Soja e IDR-Paraná, com patrocínio da Itaipu Binacional e Governo do Estado do Paraná, apoio técnico da Universidade Federal de Lavras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Água e Terra e apoio da Faped (Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento).